quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Aos onze

Mal havia completado onze anos de idade. Tinha como companhia um cão e uma arma de chumbinho, seus fiéis escudeiros.
Negra, cabelos crespos, filha de italiana trabalhadora de roça e de um baiano que dá saudade só de ouvir falar.
A vida era traiçoeira, a origem simples, a infância uma quimera.
Quando bebê, foi salva da sucuri pela mãe. Em meio as brincadeiras de criança perdeu o tatu e criou o peixe na caixa d'água. A única boneca que tinha era de papelão e a chuva fez questão de destruí-la.
Na escola, pegou a maria-fumaça e o pequeno gravador – entrevistou o prefeito da cidade.
Não tinha roupas bonitas, mas tinha aulas de francês.
Uma vez a professora exigiu que comprasse o livro. O sangue italiano falou mais alto. Levou um puxão de orelha daqueles... Mas dessa vez quem não acreditou foi o baiano. Queimou o chão onde pisava, pegou a professora pela orelha e a conduziu mostrando o significado da dor de criança e da ausência de condições. Este era seu herói da vida real.
São as mais lindas histórias, mas a batalha começa aos onze.
Num dia como todos os outros, a despensa estava vazia. Pai e mãe sairam à luta. Nada de promessas para o dia de amanhã.
Naquela cabeça de menina cabiam responsabilidades que a vida urbana não dá conta de cultivar.
Sem hesitar, encheu o peito, pegou as garrafas de casa e do caminho. Colocou-as numa caixa de madeira e se decidiu.
Mais tarde, em vez de garrafas, agora na caixa repousava o feijão-de-corda, a carne seca, a manteiga de garrafa, a farinha...um banquete!
Ao anoitecer, brincou de dona de casa. Fez um lindo jantar.
Mamãe e papai voltaram com as ressecadas lágrimas e o medo, medo da promessa não cumprida.
Mas não dava pra acreditar na cena. Mais uma vez os ouvidos de Deus foram sensíveis às preces.
Naquela noite jantaram juntos à luz dos lampiões. Pai, mãe e filha partiram e repartiram o pão, celebrando a ceia.
Era 1968, não era fácil. Cada uma fazia o seu impossível.
Os papéis de inverteram muitas e muitas vezes, mas ainda assim havia infância.


Por _Berdusco

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